Ally e Ryan

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quinta-feira, 22 de abril de 2010

Laércio Sant'Anna - entrevista - parte 3

BLOG - As tecnologias assistivas estão disponíveis para auxiliar pessoas com deficiência a buscar a inserção social como meio de vida. Muitas pessoas ficam curiosas para saberem como um cego interage com seu computador, como escreve ou lê e-mails, como navega na internet, como entra em página de banco e etc. Conte-nos como tudo isso é possível. Se os programas utilizados são caros, se é possível adquiri-los gratuitamente, e relate tudo que você julgar importante nesse tema. Que trabalhos você já tornou acessível na web?

Laércio – As tecnologias assistivas são a minha “paixão”. Hoje, na Prodam, o meu trabalho é justamente oferecer apoio à prefeitura e a todos que nos procuram, no sentido de tirar o melhor proveito das tecnologias assistivas existentes.
Tecnologia assistiva é tudo o que é feito ou adaptado para que uma pessoa com alguma limitação consiga superar suas dificuldades. Um garfo com um cabo maior é uma tecnologia assistiva para quem tenha problema nas mãos, por exemplo.
Para usar o computador, as pessoas com deficiência visual usam um programa (software) chamado de leitor de tela. Como o próprio nome diz, este software lê tudo o que aparece escrito na tela. Desse modo, eu posso ler suas perguntas e respondê-las com facilidade e segurança.
Algumas pessoas podem perguntar:
Como faz para digitar sem ver o teclado?
Existe algum teclado especial?
Você coloca alguma marquinha nas teclas?
Eu respondo que o teclado é o mesmo usado por qualquer pessoa. Aliás, o computador é exatamente o mesmo que qualquer pessoa usa. O diferencial é o software leitor de tela que, uma vez instalado, funciona por trás dos programas, ou seja, em Background. Desse modo, o que as pessoas vêem na minha tela é o Word, por exemplo, mas por trás dele, existe um programa que captura tudo o que eu escrevo e joga para as caixas de som, para que eu ouça, com uma voz “robótica” tudo o que está acontecendo.
Na verdade, quem fica olhando para o teclado durante a digitação, não fez um bom curso de datilografia. Devemos nos posicionar no teclado colocando os dedos indicadores nas letras “f” e “j” e depois, usando todos os dedos, fazer os deslocamentos para digitar todos os outros caracteres. Pode parecer curioso, mas é muito difícil uma pessoa cega “catar milho” como é popularmente conhecidos o hábito de digitar com 2 dedos de cada mão. Isso traria muitas dificuldades e a quantidade de erros seria muito maior. Digitar com todos os dedos, além de aumentar a velocidade de digitação, também diminui o esforço e melhora a qualidade.
Infelizmente, os melhores leitores de tela não são gratuitos, aliás, o Jaws for Windows <>, leitor importado e um dos melhores do mundo, custa hoje no Brasil R$ 2700,00. Temos sim, produtos gratuitos como o NVDA <> que é um leitor de tela de código aberto. Ele permite fazer muitas coisas no computador, mas não se compara ao Jaws for Windows, ou aoVirtual Vision <> que, embora custe R$ 1800,00 para pessoa jurídica, pode ser adquirido gratuitamente pelas pessoas com deficiência que forem correntistas do banco Bradesco, ou solicitarem no banco Real.
O Virtual Vision é um leitor de tela muito importante no Brasil. O Bradesco foi o 1º banco a oferecer uma tecnologia assistiva gratuitamente às pessoas cegas no mundo. Desde 1998 quando foi lançado o Bradesco Internet Banking para as pessoas com deficiência visual, este banco treina, através da Fundação Bradesco, pessoas com deficiência e multiplicadores, no uso do Virtual Vision e nos principais programas do Windows, como Microsoft Word, Microsoft Acess, Microsoft Excel, acesso à Internet, etc.
Sou muito feliz por ter participado do desenvolvimento desse projeto, inclusive com a oportunidade de expô-lo na matriz da Microsoft nos EUA em 1999.

BLOG - O sistema de ensino a distância está cada vez mais disseminado como uma ferramenta importante para aquisição de novos conhecimentos. Além do aspecto legal da obrigatoriedade de tornar o EAD acessível para pessoas com deficiência, que outros itens você destacaria como fundamental para inserir num sistema de ensino a distância?

Laércio – Gosto de lembrar sempre que, não basta a plataforma ser acessível. É imprescindível que o conteúdo também o seja. Quem desenvolve o curso, também precisa considerar a possibilidade de uma pessoa com deficiência realizá-lo. Desse modo, não dá para pedir que os alunos “façam um texto de 2 laudas comentando os aspectos relevantes da figura 1, e como ela se relaciona com a figura 2”, se não houver uma boa descrição de cada figura.


BLOG - Finalmente, utilize o espaço para suas considerações finais e destaque aquilo que você julgar importante.

Laércio – Agradeço a oportunidade de escrever um pouco sobre as questões ligadas às pessoas com deficiência e os recursos existentes. Só com a popularização dos recursos e possibilidades das pessoas com deficiência é que a verdadeira inclusão acontecerá.

Comentário: Apresentei aqui durante esses três dias as considerações do Laércio, creio que a entrevista é uma ferramenta útil para que os educadores vejam a pessoa com deficiência visual como personagens ativos do processo histórico da inclusão, e não mais como objeto desse modelo de inserção social.
A entrevista já estava encerrada, enviei e-mail de agradecimentos, mas como atualmente estou estudando muito sobre a pessoa com deficiência visual, algumas coisas passaram a indagar minha mente, pensei, pensei e decidi discuti-las com o Laércio e reproduzo abaixo:

Ari - Laércio
Antes de qualquer coisa, agradeço as fotos e sua atenção. Você é muito simpático.

Laércio – Eu é que agradeço a oportunidade de participar de seu blog

Ari - A entrevista será publicada a partir de terça-feira, avisa o seu pessoal.

Laércio – Avisarei sim. Vamos divulgar o Blog. Todos ganhamos com ele.

Ari - Olhando suas fotos me surgiu mais uma pergunta, se não for incômodo, você me responde: ficando pessoalmente com você temos a sua imagem; nesse sentido, utilizamos os padrões existentes de feio/bonito, simpático/antipático, branco/negro, a pessoa cega como estabelece esses valores?

Laércio – É muito difícil responder pela pessoa cega como um todo. Se a pessoa já enxergou, por exemplo, tem uma maneira diferente de se relacionar com tudo o que remete para a formação de uma imagem. Ao contrário, quem nunca enxergou, normalmente já não sente essa necessidade.
Quando você fala com alguém ao telefone, fica imaginando como essa pessoa é fisicamente?
Eu, a menos que seja estimulado, nem sempre faço isso.
Quando temos contato com alguma pessoa, nos guiamos pela voz, simpatia, atenção, dentre outras características. Obviamente, se o contato é com alguém do sexo oposto, para o caso de interesse em um namoro, o toque das mãos, nos cabelos, rosto... ops! Vamos parando aí! tudo a seu tempo... agregam mais informações para a construção da imagem. Contudo, para uma pessoa cega, o primeiro contato, diferentemente do que ocorre com quem enxerga, em termos da aparência não tem o mesmo peso de importância.

Ari - Juro Laércio que é última, rs. A Deisy te achou bonito, simpático e elegante na forma de falar. E você, qual a imagem que fez da Deisy?

Laércio – Nossa! que perigo! essa pergunta é muito séria.
A Deisy é muito espontânea e prestativa. Muito simpática também. Essas características, se não para todas as pessoas cegas, para uma grande maioria é o que primeiro chama atenção. Diria que, mais do que o fato dela ser de estatura baixa, por exemplo.

Ari - Se por exemplo eu quiser te enviar uma figura ou foto, o que devo fazer para torná-la acessível para ti?

Laércio – Fazer uma descrição dela. Por exemplo: "a imagem anexa é um casal de mãos dadas. Eles estão tomando sorvete e sorriem olhando um para o outro.".

Foi isso gente, ficamos amigos e agora estamos sempre trocando informações. Obrigado Laércio.

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